Mergulhada em denúncias, Sapore busca capitalização na bolsa de valores

Um dos maiores grupos de alimentação do país, a Sapore, gigante dos restaurantes corporativos, busca há alguns anos ingressar na Bolsa de Valores de São Paulo, a B3, para expandir seu capital e disputar mercado com as maiores do setor.

Após vender 19% das suas ações para a Acon Investimentos em 2022, a empresa paulista buscou atrair recursos de investidores, mas acabou encontrando diversas portas fechadas por conta de sua reputação duvidosa dentro do mercado, fruto de uma série de problemas operacionais e com clientes que assombram a gigante paulista.

É estimado que para ingressar na B3, uma empresa que deseje ofertar a sua IPO (Oferta Pública Inicial) deva ter ao menos R$ 500 milhões de EBITDA (Lucro antes de juros, impostos, depreciação e amortização), o que difere imensamente da realidade da Sapore, que possui um EBITDA próximo dos R$ 100 milhões.

Para fins de comparação, o baiano Grupo GPS, que já tem suas ações ofertadas na B3, possui um EBITDA próximo de R$ 1 bilhão com uma margem EBITDA, que é a proporção do lucro em relação à receita líquida da empresa, de 10% contra apenas 5% da Sapore.

Estes fatores, somados aos recorrentes problemas de qualidade na prestação de serviços de refeições, que surgem praticamente mensalmente, é possível encontrar matérias na internet que relatam de comida estragada, larvas e baratas na comida, até supostos desrespeitos aos direitos humanos mais básicos com os colaboradores e clientes e até mesmo críticas internas de executivos, acionistas e sócios que passaram pelo grupo, ao comportamento do sócio fundador da empresa, Daniel Mendez, contribuem para a desconfiança do mercado.

Aquisições falhas

O movimento de expansão da Sapore começou em 2018, com a tentativa de compra da IMC, dona das redes Viena e Frango Assado, mas a adoção da chamada “pílula do veneno”, que é um meio de defesa para que empresas evitem a tomada de controle não desejada, ou as chamadas aquisições hostis, para proteger a companhia inviabilizou o negócio.

A Sapore queria adquirir 42,5% das ações por R$ 600 milhões, mas o mecanismo aprovado pelos acionistas obrigava a empresa a fazer uma oferta pelo total de ações caso a mesma ultrapassasse 30% da participação acionária.

Outras aquisições e tentativas de fusão também não prosperaram. A Sapore adquiriu a CMV Solutions, mas, após a integração, a empresa perdeu seu valor por completo e o negócio terminou em um acordo extrajudicial com os sócios fundadores.

Outra empresa comprada pela Sapore, a Zaitt também viu suas ações despencarem e acabou sendo anexada pela BuyBye. Esses e outros negócios mal sucedidos evidenciam a falta de capacidade de integralizar as empresas adquiridas e afastam possíveis investidores, que veem com cautela os problemas de gestão dentro dos negócios do ecossistema Sapore.

Problemas operacionais

A fragilidade dos números da Sapore não é o único obstáculo para a atração de novos investidores que viabilizem o ‘upgrade’ da empresa. Inúmeras denúncias a respeito da qualidade da comida servida aos funcionários das empresas atendidas se somam a relatos de relações trabalhistas abusivas que minam a credibilidade de empresa no serviço de refeições coletivas, core business do grupo.

No site Reclame Aqui, especializado para denúncias e reclamações de consumidores, a empresa possui reputação não recomendada por clientes e colaboradores. Em pesquisa realizada ao site, a reportagem de A TARDE constatou que as reclamações se acumulam e são tantas que a empresa desistiu de responder nos últimos 12 meses.

Print do site Reclame Aqui mostra reputação negativa da empresa

Print do site Reclame Aqui mostra reputação negativa da empresa | Foto: Reprodução / Reclame Aqui

Em 2022 e 2023, a empresa ficou em evidência após duas clientes do grupo, as gigantes da televisão Rede Globo e Rede TV, enfrentarem problemas com a qualidade do alimento fornecido aos seus funcionários.

Na ocasião, o Sindicato dos Jornalistas e dos Radialistas de São Paulo procolou denúncia contra a qualidade da comida servida no restaurante da Rede TV!, após funcionários passarem mal e encontrarem insetos como baratas e larvas nas refeições fornecidas pela Sapore.

Insetos foram encontrados em marmitas oferecidas para funcionários da Rede TV

Insetos foram encontrados em marmitas oferecidas para funcionários da Rede TV | Foto: Reprodução / Notícias da TV

Já na Rede Globo, a Sapore aumentou uma crise interna, causada por uma série de demissões, após uma colaboradora da Vênus Platinada encontrar um inseto em uma couve-flor servida no restaurante da emissora em São Paulo. De acordo com o site Notícias da TV, funcionários da Globo afirmaram não ter sido um caso isolado e que a Sapore chegou a ser multada pela Globo após sindicância interna da emissora.

Há ainda relatos sobre a distribuição de comida estragada para funcionários do The Town, importante festival de música em São Paulo. De acordo com o portal Intercept, diversos funcionários da estrutura do evento relataram problemas na comida como presença de cabelos, insetos e insalubridade das marmitas ofertadas.

Na Bahia, o portal Achei Sudoeste noticiou que a empresa teria sido notificada pelo Sindicato de Mineradores de Brumado, novamente por conta da qualidade da comdia servida aos trabalhadores da RHI Magnesita e terceirizadas.

Refeições fornecidas pela Sapore no The Town

Refeições fornecidas pela Sapore no The Town | Foto: Reprodução / The Intercept

Em um caso mais recente, após a tragédia das enchentes no Rio Grande do Sul, a Sapore divulgou que forneceu assistência aos colaboradores do grupo, com 2 toneladas de alimento, 250 kits de higiene, 9 mil marmitas, além de atendimento psicológico, que não teriam chegado aos trabalhadores, principalmente para os auxiliares de limpeza das empresas do grupo, evidenciando distinção prevista no artigo 2º da declaração dos direitos humanos, que condena a distinção ‘por cor, raça, sexo ou origem social’.

Informações internas de colaboradores que obviamente não podem ser identificados, dão conta de que o Grupo Sapore tem um plano de trabalho que submete os colaboradores a um total acima de 300 horas mensais de trabalho, ou 10 horas por dia, sem folga, numa média aritmética.

Caso confirmada, a prática fere o artigo 149 do Código Penal Brasileiro, que define o que é trabalho análogo à escravidão: “É caracterizado pela submissão de alguém a trabalhos forçados ou a jornada exaustiva, quer sujeitando-o a condições degradantes de trabalho”.

A situação seria que tão grave que estaria se refletindo num grande número de afastamentos por ‘Síndrome de Burnout’, distúrbio emocional provocado pelo estresse resultante de situações de trabalho desgastante, envolvendo desde diretores até analistas.

Resposta da empresa

Em nota enviada à reportagem, a Sapore afirma que tem como princípio “a busca contínua por qualidade e excelência nos serviços” e que investe constantemente em seus processos de segurança alimentar através do investimento tecnológico e a capacitação pessoal.

“A melhor prova de reconhecimento pelo mercado da qualidade da Sapore está nos resultados: no ano passado, a companhia atingiu a marca de 1,5 mil restaurantes corporativos em empresas clientes atendidas, com alta de 19,3% no faturamento, conforme balanço auditado (ver anexo). Aliás, é a única empresa do setor que publica balanços (auditados) há cerca de 20 anos, sem qualquer obrigação legal para tanto. Possui regras claras de Governança, Compliance, Código de Conduta e Ética, em linha com o propósito de se tornar uma empresa com as melhores práticas ESG. Ainda no primeiro semestre do a no passado, realizou Censo de Diversidade, aplicado por consultoria independente, entre os milhares de colaboradores para auxiliá-la a ampliar e criar novas políticas de inclusão. Mesmo não sendo o principal objetivo, o Censo apontou que a grande maioria já considera que a empresa promove inclusão, equidade na contratação e que oferece um ambiente seguro e respeitoso para o desenvolvimento profissional. Ademais, desde 2012 a Sapore mantém instituição que já gerou empregos a mais de 800 jovens em situação de vulnerabilidade, contribuindo com a inclusão social”, continua o comunicado.

A Sapore afirma ainda que doou mais de 4 toneladas de alimentos e 2 mil litros de água para ONGs, abrigos e hospitais do Rio Grande do Sul e que é “uma empresa que trata todos os stakeholders, a começar por seus colaboradores, de forma ética e correta, em linha com seus valores”.





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