OUVIR, LER, VER: coisas impossivelmente reais

Ouvir:

A voz deste país é Maria Bethânia. É isto e pronto – eu acho. Nela se encerra tudo o que há de densamente brasileiro – o sumo alegre, místico, mítico, rebelado, romântico, passional e popular. Parece tola esta sugestão, porque MB é patrimônio mundial, mas não me furto de cantar a profundidade da santo-amarense. Acho mesmo que o Brasil precisa se reconhecer em artistas de traços nossos e o rosto de MB tem os vincos desta nação. Tudo que ela canta é daqui – mesmo quando interpreta Piaf. Ainda na linha das cantoras baianas, preciso, por dever e gosto, chamar atenção para Roze, uma tucanense – como eu. Ouvir Dazibao, de A. Risério e J. Alfredo, por ela, é uma experiência astral, é galopar e viajar no globo com vento e areia no rosto. Sempre que ouço, penso no mundo a partir do sertão, em um grito universal de uma mulher nossa.

Ler:

O que me interessa em uma história é o que ela traz de impossível no crível e a sutileza de uma narração poética em algum grau e forma. Os escritores precisam de algo mais do que a linha reta da verdade, precisam da farsa real, do inventivo lirismo. Gabriel G. Marques é um gênio da literatura porque une estes dois fatores e ainda faz todo conto – mesmo sendo extremamente latino – ser universal. Com diferenças, J. Saramago e J. Amado são outros grandes nisto, S. Acioli, I. Vieira e C. Madeira também. O que escrevo segue este rumo e firma neste prumo – sempre na tentativa. Desgosto (Mondrongo, 2022) e A Morte da Finada, a ser lançado pela Alta Books (Prêmio Alta Literatura, 2024), são romances que prezam pela prosa poética das coisas impossivelmente reais. É preciso sempre um pouquinho de delírio, o real não basta e a arte existe para isto.

Ver:

Eduardo Coutinho é sublime. Ele me parece uma espécie de C. Lispector do cinema documental. Os documentários dele destrincham os assuntos sempre das vísceras do entrevistado para fora e tudo esparrama na cara do espectador. Os últimos trabalhos são os melhores, porque são extremamente focados no sujeito, no que ele tem a dizer, a mentir, a chorar. É deslumbrante ver a realidade como possível matéria-prima de grandes e potentes narrativas – é que tudo nasce da vivência. Por falar em cinema de documentação, quem tiver interesse em ver um retrato de uma cidade velha do sertão da Bahia, Tucano, minha terra, aponto para um projeto chamado Bora. Há uma página no YouTube onde estão depositados todos os vídeos deste trabalho – tudo pintado através da beleza interiorana deste país.

*Advogado e Escritor: @asteriomoreira





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